Peregrino e descobridor de livrarias
A primeira vez que encontrei o espanhol Jorge Carrión foi em Buenos Aires, em 2008, quando já havia me chamado a atenção o estilo e a capacidade de observação desse escritor-viajante, meio calado, e então perdido entre os encantos do bairro da Boca. Eu também estava acabando de desembarcar na cidade, naquela que foi minha primeira longa estadia por lá. Desde então não perdi de vista seus passos literários até reencontra-lo novamente aqui em Bogotá, na feira literária internacional do livro (Filbo), onde Carrión lança o livro-ensaio “Librerías”, que foi finalista do prêmio Anagrama. O livro passeia pelas inúmeras livrarias pelas quais passou Carrión ao longo dos últimos anos e usa referências eruditas para questionar seu papel nos dias de hoje, os dias futuros, a perspectiva da imposição da livraria virtual e o que fica de uma era que parece ter terminado, nostálgico, mas não passadista nem lamurioso.
Seria injusto nomear as que mais merecem atenção, entre tantas, como a Foyles de Londres, a Eterna Cadência de Buenos Aires, a Leonardo Da Vinci do Rio, a Lello de Portugal, a Shakespeare & Co. de Paris e tantas outras. O que é interessante no livro é que Carrión faz de cada uma o resultado de uma viagem particular sua para entender a razão de viajar, seja concretamente, seja através dos idiomas. Exemplo disso é o capítulo dedicado a contar sua viagem ao sul da Argentina, onde seguiu a trilha de Bruce Chatwin (1940-1989) e seu livro clássico “Na Paragonia”. Ou como seguiu a trilha de outro escritor desaparecido, o chileno Roberto Bolaño (1953-2003) ou ainda como perdeu-se numa troca de endereços ao tentar encontrar uma livraria frequentada por Gabriel García Márquez (1927-2014) em Barranquilla, na Colômbia. Para isso, evoca o sábio catalão que vendia livros em Macondo e um pouco da magia e superstição do universo de Gabo. Por fim, não há como não identificar com casos de cada um quando narra o fim de uma livraria tradicional de Barcelona, onde vive, por uma loja da cadeia McDonald’s. A carta do dono do estabelecimento, reproduzida no livro, expõe a tristeza do livreiro, que lamenta ter sobrevivido com sua loja duas guerras, mas não a crise do mercado. Ao questionar a predominância das livrarias virtuais, Carrión reformula a relação do desejo entre um leitor e um livro para tentar identificar onde fica a questão emocional nas compras on-line.
Apesar de ser um livro que passeia por várias cidades do mundo, quiçá o mais interessante sejam suas observações sobre as livrarias latino-americanas, que surgem mais misteriosas e de certo modo precárias, estabelecendo pontes improváveis entre os leitores do Novo Mundo e um conhecimento ancestral. Acima, um vídeo em que Carrión discute o livro com Natu Poblet, uma figura mítica da cena literária portenha, dona da Clásica y Moderna, no centro de Buenos Aires, a quem entrevistei há cerca de um ano e que afirma, em seu modo cortante e cheio de personalidade ao falar, que resistirá com as portas abertas até quando for possível.