Rivera em Detroit

Sylvia Colombo

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O blog ficou uns dias fora do ar por conta de uma rápida viagem a Michigan, onde fui à minha formatura por conta de uma fellowship para jornalistas da qual participei por lá no último semestre. Em uma nova visita a Detroit, foi uma grata surpresa rever os murais de Diego Rivera (1886-1957). Desta vez eles me fizeram pensar na atualidade da crítica/reflexão proposta pelo muralista mexicano ao pintar essas deslumbrantes e grandiosas imagens. Os 27 painéis que compõem os murais que ocupam a Rivera Court, no DIA (Detroit Institute of Arts) foram realizados entre abril de 1932 e março de 1933. Resultado de uma encomenda de Edsel Ford, filho de Henri Ford, que queria ver o desenvolvimento da indústria automotiva retratado de forma épica, a obra foi executada de forma dúbia, abrindo uma brecha para que fosse interpretada tanto como um elogio ao rápido êxito industrial norte-americano como quanto uma crítica social e política. Rivera, como se sabe, era um determinado artista marxista que acreditava poder educar os povos através de seus grandes murais. Quem já viajou ao México pôde conferir seus emocionantes painéis (como o que está abaixo) que retratam a história dos povos mexicanos desde tempos ancestrais aos dias de hoje e que ocupam lugar de destaque em edifícios públicos do governo _que estimulava a ação do artista movido pelos ideias da Revolução de 1910.

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No período que passou nos EUA com a mulher, a também pintora Frida Kahlo (1907-1954), Rivera foi um severo observador da realidade do país, que enfrentava os resultados da crise com muito trabalho e investimento na produção industrial. Seus dias em Detroit foram gastos basicamente em observações na planta da Ford em Dearborn, a Rouge Plant. O resultado desse estudo são os quadros que revelam cenas do dia-a-dia de trabalho, mas que também reúnem distintas referências, os mestres italianos, a tradição pré-colombiana mexicana, a arte religiosa e conceitos políticos. Uma das cenas que melhor exemplificam a duplicidade de sua mensagem está em “vacinação”, que emula a presença de Jesus Cristo mas sugere a predominância da ciência e uma linguagem anti-religiosa.

Rivera achava que pintar muros públicos era melhor do que expor em galerias privadas, algo que combinava com seus valores revolucionários mas que nada podia contra a explosão do mercado das artes que se veria daí em diante e que arrasaria com seu projeto a longo prazo. É curioso ver suas pinturas agora, numa cidade que tem sofrido tanto a devastação do fim do sonho industrial norte-americano. Detroit é o exemplo vivo da falência das grandes cidades norte-americanas demasiadamente dependentes da produção industrial de um só item. É quase que premonitória a forma como Rivera pintou, naquele momento, uma aparente harmonia que se revelaria fake, frágil, quase como se seu mural fosse um imenso e trágico cartoon do que aconteceria no futuro. Ao mesmo tempo, é inevitável pensar em como o seu México natal vem optando por um caminho semelhante, ao construir no coração do país novas pequenas Detroits, como os centros industriais de Guanajuato, Monterrey ou Querétaro.

É curioso ler sobre as polêmicas que os murais receberam na época. Os religiosos os consideraram sacrílegos, os intolerantes com os imigrantes, que era um absurdo a obra de arte mais valiosa da cidade ser pintada por um mexicano e colocada em local tão nobre como o DIA. Os defensores de uma arte mais sofisticada acusavam a tela de ser vulgar, caricatural. Por fim, os defensores de uma América branca atacavam o fato de haver negros, brancos e mulatos convivendo na pintura. Mais de 80 anos se passaram e é difícil não reconhecer que todos esses preconceitos ainda existem, mas que o traço genial de Rivera de certo modo previu que esse embate estaria presente para sempre, salvo se seu tipo de arte triunfasse e ajudasse a “educar” e esclarecer as massas. Não foi o caso, e a desolação ao redor do DIA é um símbolo claro da necessidade de reflexão que a obra do mexicano propunha nos distantes anos 30.