São Paulo será tema da feira de Buenos Aires

Sylvia Colombo

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Como as fotos acima ilustram, São Paulo (dir.) e Buenos Aires (esq.) já foram muito parecidas. Enquanto a capital argentina, aqui fotografada por Horacio Coppola (1906-2012), conseguiu preservar muito de seu casario histórico, apesar de ter de lutar muito contra o “boom” imobiliário, São Paulo, clicada acima pela suíça Hildegard Rosenthal (1913-1990), levou abaixo a arquitetura de seus primeiros tempos e transformou-se nesse caos urbano que enfrentamos todos os dias. O diálogo de paulistas e portenhos hoje, grosso modo, limita-se ao turismo, a negócios específicos e algum intercâmbio cultural. É pouco, mas abril será um mês especial nessa relação.

A partir do dia 24, e até 12 de maio, a Feira do Livro de Buenos Aires terá São Paulo como cidade-tema. Como faz todos os anos, o evento elege um ponto do mapa e reúne autores de ficção e não-ficção desse país ali, além de atrair editoras de distintos tamanhos sediadas na base escolhida. No ano passado, foi Amsterdã, e o Brasil teve uma participação tímida, porém bela, com uma homenagem aos 100 anos de Vinicius de Moraes no pavilhão brasileiro.

Apesar de esforços de ambos os lados, porém, houve resistência do lado brasileiro em bancar a ida de grandes nomes ao evento. A feira, em trabalho conjunto com a biblioteca Mário de Andrade, resolveu então fazer a aposta de focar a programação em autores da periferia. Serão, assim, revividos no espaço da La Rural, no bairro de Palermo, os saraus que viraram febre nas comunidades paulistana nos últimos anos. “É um elemento forte nas duas culturas, Buenos Aires também tem uma tradição de literatura dos bairros afastados, dos ´baldios´, que irá dialogar diretamente com a experiência desses autores que estão vindo”, diz Gabriela Adamo, diretora do evento portenho.

A lista de convidados não está fechada, mas figuram como confirmados Arnaldo Antunes, Ferréz, Sergio Vaz, Milton Hatoum e outros. Haverá uma intensa programação também com antropólogos e urbanistas. “O desafio é que nos conheçamos mais. Apresentar esses autores aos argentinos, já que a literatura brasileira viaja pouco, mesmo a países próximos”, completa. O estande brasileiro terá 147m2.

Além disso, a feira celebrará seus 40 anos. A abertura será uma homenagem ao cartunista Quino, 81, célebre criador da personagem Mafalda. Estão entre os convidados ilustres também o norte-americano Paul Auster e o sul-africano J.M. Coetzee, além do uruguaio Mario Bellatín e a espanhola Almudena Grandes.

Apesar de ser um êxito de público, e reunir mais de 1 milhão de visitantes de vários países, a feira tem sofrido com a queda da venda de livros. Ainda, na atual onda de protecionismo argentino, as pequenas editoras e as universitárias têm tido dificuldade em importar volumes. Por outro lado, os últimos anos viram uma explosão das casas editoriais de pequeno porte, que passaram a apostar em traduções de autores ou títulos pouco convencionais. Na edição passada, o stand que reunia editoras como Interzona, Eterna Cadência, Adriana Hidalgo e outras ganhou o prêmio de melhor espaço.

Outra discussão polêmica é o local da feira. Há anos ocorrendo na Rural, no coração do bairro de Palermo, nos últimos tempos o governo kirchnerista quis desloca-la, levando-a a Tecnópolis, um grande e afastado local de eventos e exposições científicas bancado pelo Estado. Editores, expositores e a direção do evento posicionaram-se contra. “A feira está relacionada com Palermo, seus bares e parques, todo o entorno compõe sua tradição. Continuamos aqui”, diz Adamo. A Rural é identificada com os empresários e proprietários de terras anti-kirchneristas e causa desconforto entre intelectuais que apoiam o governo. Por outro lado, a ida a Tecnópolis significaria uma politização do evento e uma apropriação para fins propagandísticos. Por enquanto, a feira está ganhando a queda de braço.

A programação da Feira do Livro de Buenos Aires está aqui: http://www.el-libro.org.ar/