O que é que Medellín tem?

Sylvia Colombo

 

No final da entrega do prêmio Alfaguara, ontem, o editor espanhol Juan Cruz (ex-Alfaguara, ex-“Babelia”) perguntou: “O que há em Medellín, que produz escritores tão especiais?”. Ele se referia, desta vez, ao vencedor desta edição, o colombiano Jorge Franco, 52, nascido nessa cidade, e que acaba de levar o prêmio por sua nova novela “El Mundo de Afuera”. Além dele, despontaram nos últimos tempos dali Fernando Vallejo (“A Virgem dos Sicários”), Tomáz Gonzalez (“Los Caballitos del Diablo”) e Hector Abad Faciolince (“El Olvido que Seremos”), entre outros.

É de fato para se pensar, mas as razões vão ficando evidentes. Medellín já foi uma das cidades mais perigosas da Colômbia e no Mundo, pelo menos até os anos 90. A taxa de mortos por 100 mil habitantes era assustadora, mais de 180 pessoas. Hoje, não chega a 30. O declínio dos carteis da droga devido às ações do governo colombiano em coordenação com os EUA (Plan Colombia) ajudou a debelar o problema. Mas o dia-a-dia da sociedade só melhorou mesmo nos anos 00, quando a cidade elegeu o matemático e sociólogo Sergio Fajardo como prefeito. Através de um plano de revitalização urbana, de projetos sociais e culturais para as populações das favelas, Fajardo entusiasmou os habitantes a se engajarem no renascimento de Medellín, capital da província de Antioquia, uma bela cidade nas alturas, cercada de montanhas e de clima temperado.

O “boom” literário faz parte dessa revitalização, e os escritores que eram adolescentes na época do crime organizado passaram a produzir obras que refletiam sobre o impacto daqueles anos na vida deles próprios e do país. Na primeira vez que visitei Medellín, essa explosão artística estava incipiente. Mas lembro que me encantei com a série de TV “Rosario Tijeras”, que também havia sido um filme, inspirado no livro do então jovem autor, Jorge Franco. Esse mesmo premiado ontem.

“Rosario Tijeras”, o livro, é de 1999, e conta a história de uma sicária (assassina de aluguel) que é uma mulher linda, sedutora e sanguinária. Quentin Tarantino se orgulharia dela, se é que não a usou de inspiração para alguma criação sua. Aqui, um trecho da série televisiva.

Parece que o elemento noir, violento e bem humorado seguem influenciando Franco. Sua novela agora premiada é a história romanceada de um crime famoso que ocorreu em Medellín em 1971, e marcou seu imaginário infantil. A também colombiana Laura Restrepo definiu-o assim durante a cerimônia: “no livro sobressaem o horror, os personagens complexos e o sentido do humor através da história de um sequestro contado sob uma outra luz. Uma obra que começa como um conto de fadas e termina como uma história dos irmãos Coen.”