Meia-noite no México

Sylvia Colombo

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Publiquei hoje, no caderno Mundo, uma matéria sobre a prisão do chefão do narcotráfico mexicano, Chapo Guzmán. Entre os analistas entrevistados está o interessante Alfredo Corchado, autor de “Midnight in Mexico”, livro que conta como apurou as ameaças de morte que ele mesmo recebeu enquanto escrevia sobre a violência em seu país. Publico, aqui, a íntegra da entrevista.

Folha – O que representa para a atual situação do narcotráfico no México a prisão do Chapo? A violência vai aumentar ou diminuir?

Alfredo Corchado – Representa uma oportunidade excepcional para o governo de Enrique Peña Nieto expor os laços de corrupção entre o Chapo e as autoridades do governo. A queda do “capo” foi um golpe grande e obviamente um logro muito importante para o governo. Mas se a longo prazo nada se sabe, ninguém mais cai, então se repete a história. Outro narco grande cai e tudo segue igual, a luta, a violência, a batalha por controlar praças, territórios seguisse como antes. Em lugares como Ciudad Juarez, Tijuana, Culiacan, Guadalajara se espera que vamos ver uma disputa. Isso é comum. Mas o governo pode e deve, se isso é uma luta séria para fortalecer instituições judiciais no México, estabelecer e desmantelar os laços de corrupção. É a melhor maneira de estabelecer credibilidade não somente no mundo, mas especialmente no México, um país que foi testemunha de anos sangrentos e impunidade.

Folha – O que representa o Chapo para o imaginário do mexicano, inclusive para os mais jovens? Herói, vilão, ou ambos?

Corchado – O Chapo particularmente representava uma espécie de herói para alguns jovens. Alguém com uma educação básica, com só três anos de escola primária, criado num povoado com poucas possibilidades e que se converte em um dos homens mais ricos do mundo, numa legenda. Seu cartel é responsável por milhares de mortos, desaparecidos, mas para os jovens de um país onde a metade da população vive na pobreza, o Chapo é uma inspiração para aquele que não só busca a riqueza, mas talvez mais importante, que busca o respeito. Lamentavelmente, no México de hoje, gente como o Chapo representa um vilão, um herói, Robin Hood e em algumas dessas regiões as opções são limitadas. Ou você vai aos Estados Unidos, ou entra para o narcotráfico.

Folha – Você escreve para jornais norte-americanos sobre temas mexicanos. Como é essa experiência de explicar aos gringos o que acontece em seu país? Mudou algo em sua sensibilidade com o passar dos anos?

Corchado – Sim, creio que mudou. Não há maneira de ocultar tantos mortos e desaparecidos. O mais lamentável é que se passaram tantos anos, tantas vítimas, para que os leitores começassem a ver os avanços do México. Mas creio que no geral ainda falta muito para ser entendido. Muitas vezes se vê o México apenas como um país corrupto e afundado na violência. Penso que nos falta demonstrar que há um quadro mais complexo ali, um México que está mudando, talvez a passos muito lentos, mas que está mudando. Há lugares onde se vê uma sociedade civil muito mais ativa, lugares com mais oportunidades. É um México em transformação, mas sem segurança não é possível avançar.

Folha – Como foi sua decisão de investigar as ameaças de morte que estava recebendo? Desde o princípio pensava em transformar essa investigação num livro?

Corchado – Não pensei em escrever um livro até que me afastei do México e quis entender melhor meu país. Meu livro pretende, acima de tudo, responder perguntas internas, perguntas que me faço desde pequeno: Por que o México não pode avançar? Talvez meus anos nos EUA tenham feito com que eu esperasse mais do meu país e a jornada do livro é entender minha identidade entre dois países, o futuro, passado do México. Creio que depois de muitas decepções e momentos de esperança, a ameaça representou um divisor de águas na minha vida. Vou ou fico, no que nos transformamos quando somos de dois países e, talvez mais importante, creio ou não creio no futuro do México? Essas perguntas e um diálogo constante com minha mãe representam a alma e o coração do livro.

Folha – Como vê a situação dos jornalistas, muitos deles vítimas do narcotráfico?

Corchado – O custo lamentável é sua vida. Perder sua vida. Já o vimos muitas vezes com colegas mexicanos. Já disse várias vezes, estou convencido de que continuo vivo porque tenho passaporte norte-americano e se alguma coisa me acontece espero que existam consequências, que alguém pague. No México esse não é o caso. Continuam matando jornalistas com impunidade, porque os criminosos sabem que o custo é mínimo. Viu-se, na administração de Peña Nieto, um esforço para mudar a narrativa do México, de focar-se menos nos temas de segurança e mais na economia. Isso reflete mais nos meios hoje em dia, ainda que persistam muitas dúvidas. Falou-se muito de acordos. Eu pessoalmente não os conheço mas duvido que a publicidade do governo represente uma quantidade muito importante. 

Folha – O que você acha do crescimento dos grupos paramilitares, ou “autodefensas” como se diz aí, principalmente em Michoacán? Isso marca um novo momento na guerra?

Corchado – É uma novidade, pode parecer alentador, mas é muito preocupante no longo prazo. Nos meus anos cobrindo esses temas, em Ciudad Juarez, Nuevo Laredo ou Monterrey, não havia visto ou escutado o clamor de uma sociedade dizendo “já basta” e tomar armas para proteger-se contra o crime organizado. Isso é impressionante, ver as donas de casa, avós, jovens, velhos, tratando de retomar seus espaços.

Ao mesmo tempo há muitas perguntas e dúvidas. De onde vêm o dinheiro para financiar isso? E o que diz esse exemplo de um país como o México, que promove reformas importantes, significativas para atrair mais capital e não pode estabelecer autoridade em territórios de seu país. O que acontece no longo prazo? Teremos uma nova Colômbia?

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Folha – Você teve medo das reações que o seu livro pudesse causar?

Corchado – Quando escrevi o livro, jamais imaginei que algum dia ele seria publicado no México. A experiência de escrever um livro é algo muito íntimo. Por muito tempo, meses, você é apenas você, seu computador, sua música, sua tequila, suas notas e sua memória. Não foi até que estivesse às vésperas de publicar que comecei a sentir o pânico, o medo, algo que me segue até hoje. Ao mesmo tempo sinto que muito do que escrevi no livro era baseado em reportagens que fizera para o meu diário, “The Dallas Morning News”. Por fim, o medo é bom. Ajuda você a refletir sobre o que é importante, o belo da vida.

Folha – Você acha que o narcotráfico criou um gênero novo de não-ficção no México? Há uma nova escola de jornalistas dedicados ao tema, qual é a contribuição destes num cenário em que os jornais impressos não oferecem muito espaço para o assunto?

Corchado – Uma das coisas que me dá mais esperança no México é a nova geração de jornalistas. Há comunidades em que os jornalistas são ameaçados, desaparecidos, assassinados. Mas também há regiões onde o jornalismo é forte, liderado por gente muito valente, muito mais preparada que pouco a pouco, através de sua pluma, demandam que as autoridades prestem contas. É uma nova geração que está impulsando novas mudanças, uma dinâmica nova para o país.