Um bolivariano querido pelos liberais
Em sua última edição, a revista britânica “The Economist” inaugurou uma nova coluna dedicada a assuntos latino-americanos, homenageando um dos mais importantes da região no século 19. A publicação, de linha editorial liberal, defendida abertamente em seus textos e pautas, diz que o novo espaço justifica-se por conta do “peso em expansão da América Latina no mundo”. E menciona que o continente, hoje, é responsável por um quinto das reservas de petróleo do planeta, possui metade das florestas tropicais que restam e é um protagonista na produção de alimentos. Elogia a estabilidade da maioria dos países, ainda que faz uma ressalva a Cuba, e ressalta o fato de que seus líderes estão a cada momento reforçando sua unidade em encontros regionais, como os da última Celac, em Havana. Apesar de apontar para os bons números de Brasil e México, lembra que Venezuela e Argentina não vão por um bom caminho e apresentam modelos falidos _mote também para uma matéria na mesma edição.
O curioso nisso tudo foi terem escolhido um nome tão relacionado ao passado revolucionário da América Latina, e bolivariano, no sentido original do termo. Bello sem dúvida é das figuras intelectuais e políticas do 19 mais importantes, por obras e feitos, mas sua relação com o liberalismo extremo que a revista britânica defende hoje é questionável. Mais bem figuraria hoje como um grande humanista, mais do que uma figura de direita ou de esquerda.
Nascido em Caracas, em 1781, Bello foi figura central na geração dos articuladores da independência venezuelana. Jurista, poeta, filólogo, deu aulas ao próprio Simón Bolívar. Viveu em Londres quase 20 anos e, na Europa, associou-se com aqueles que representavam os interesses dos independentistas na América Latina, como um dos veteranos dessa luta e precursor de Bolívar, Francisco de Miranda (1750-1816). Com ele, participou de articulações pela libertação de vários países da zona.
Bello viveu também no Chile, onde atuou na área da educação transformando-se no pai da universidade daquele país. Acabou sendo reconhecido como cidadão chileno por seus serviços prestados e ali morreu, em 1865. Além de uma imensa obra nas mais variadas áreas (filosofia, filologia, política, direito, história e linguística), Bello foi consultor e referência para o texto de várias constituições do continente. Defendeu, ainda, o uso da língua espanhola de forma castiça e tradicional, numa época em que alguns intelectuais locais queriam fazer adaptações regionais da mesma.
A “Economist” diz que a escolha é uma lembrança de caminhos que a América Latina deveria buscar trilhar, o da educação e o do cumprimento das leis. De fato, inspirador. Pena que o Brasil sequer possa entrar muito nessa discussão, afinal, esse nome, tão essencial e até hoje referência para muitos países, não tenha, sequer, uma obra sua traduzida ao português, pelo menos que conste em catálogo das principais livrarias e editoras brasileiras. Fora do ambiente universitário e de humanidades, trata-se de um desconhecido.