Pacheco, um dos intérpretes do México
Em menos de duas semanas, vão-se dois dos mais expressivos poetas da literatura latino-americana. Nem bem o meio havia se despedido do argentino Juan Gelman (morto em 14 de janeiro), chega a vez do mexicano José Emilio Pacheco. Como lembrou o “El País”, quando recebeu o prêmio Cervantes, em 2009, e foi perguntado sobre como era ser o mais importante poeta do continente, Pacheco teria dito: “mas eu não sou nem mesmo o mais importante do meu bairro”. Justamente porque, a algumas quadras de onde morava, no bairro de Condesa, vivia Gelman.
Pacheco era membro de uma geração que agora vai se transformando no cânone mexicano, com o incontestável Octavio Paz à frente, é composto ainda de Carlos Fuentes, morto em 2012, Sergio Pitol (que tem 80) e Carlos Monsivais (morto em 2010). Era, talvez, o mais popular –no sentido de mais acessível– entre os três. Ele mesmo reconhecia que muitos leitores jovens se iniciaram em sua obra a partir de suas conexões com o cinema e com a música. Em fotos amareladas divulgadas pela imprensa hoje, veem-se os quatro poetas enquanto jovens. Conectados à geração do boom latino-americano, foram fundamentais no questionamento da identidade mexicana, levantando questões sobre seu passado mestiço e a relação com os EUA.
Ouvi falar dele pela primeira vez quando assisti ao fillme “Mariana, Mariana”, filme de Alberto Isaac de 1986, que era baseado em “Las Batallas en el Desierto”, seu livro mais famoso, que conta a história de Carlos, um garoto que cresce no México dos anos 40, tendo como pano de fundo a influência norte-americana na cultura e nos hábitos. O filme, muito sensível, tinha trilha sonora da banda Cafe Tacvba, a mais celebrada no México pela abordagem pop de gêneros clássicos do país.
Conheci Pacheco na Feira do Livro de Guadalajara, essa espécie de meca da literatura latino-americana que acontece anualmente no México e reúne ali tanto os membros do cânone quanto os jovens autores. Há uma espécie de costume ali que vai além das homenagens formais que se fazem aos escritores depois de mortos. No saguão do hotel Hilton, os veteranos se sentam em mesas cercados por jornalistas e fãs, e armam-se longas conversas sobre o futuro do mercado, os temas dos festivais e, fatalmente, as intrigas por trás de premiações, etc. Lembro-me que, no dia em que Pacheco seria anunciado como vencedor do prêmio Cervantes, ele se cansara de um dessas intermináveis sessões de beija-mão e saíra, discreto, descendo uma escadinha lentamente, apoiado em sua bengala. “Está muito barulhento e agitado isso aqui”, me disse, quando topei com ele, vindo na direção contrária. Mal sabia que, horas depois, toda a agitação e ruído seriam em torno dele, novo ganhador do prêmio.
No videoclip abaixo, se pode ver e ouvir um pouco:
Entre as passagens curiosas de sua vida está o fato, talvez um dos poucos no mundo, de ter sido um escritor que resolveu consertar um romance depois de publicado. Foi com “Morirás Lejos”, uma novela histórica de 1967. Na época muito criticado, o livro acabou tendo boa recepção do público. Pacheco também era um fã inveterado da obra de Miguel de Cervantes e realizava leituras de seu “Dom Quixote” que duravam dias. Costumava dizer que era uma forma de celebrar seu primeiro encontro com a obra, aos 8 anos, quando assistiu com os pais uma versão musical da obra, no México. Pacheco também atuou no cinema ao lado de um dos grandes de seu país, Arturo Ripstein, em “El Castillo de la Pureza”, nos anos 70.
Nos últimos anos, o México vem se tornando numa capital de refúgio de escritores e poetas que já não se sentem bem em seus países, por razões políticas ou pessoais. É o caso dos colombianos Gabriel García Márquez e Fernando Vallejo e o do argentino Juan Gelman. Pacheco era uma das figuras que mantinham esses nomes conectados e em diálogo direto com a Espanha, onde também transitava bem entre editoras e a imprensa. Nos últimos anos, porém, Pacheco se mostrava triste com o crescimento da violência em seu país e com a diluição dos antigos laços literários com os de sua geração. Como seu colega de geração, Carlos Fuentes, morreu desesperançado com o México.