Os Vargas Llosa e a guerra de mídia no Peru

Sylvia Colombo

Não é só a Argentina, a Venezuela e o Equador que vivem momentos difíceis na relação entre mídia e poder. Quem passou a discutir o assunto em um aquecido debate nas últimas semanas foi o Peru, numa discussão tão polarizada que opôs até mesmo dois dos principais intelectuais do país, o Vargas Llosa pai (Mario) e o Vargas Llosa filho (Álvaro) e levou o presidente, Ollanta Humala a reunir na sede do governo 15 donos de meios, jornais, rádios e TVs.

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Tudo começou em agosto, quando o jornal conservador “El Comércio”, o maior do Peru, comprou mais da metade do grupo Epensa. Com a aquisição, passou a ser dono de 78% dos jornais do país. Todo o resto da imprensa protestou, principalmente o segundo colocado nacional, o jornal “La República”, mais progressista. Um grupo de jornalistas entrou na Justiça pedindo a anulação da compra, por ferir as lei contra concentração de mídia que está na Constituição peruana.

O prêmio Nobel, Mario Vargas Llosa, logo reagiu contra o “El Comércio”. “Minha opinião é a que considero ser normal e natural dentro de um entendimento democrático da vida pública: de que é absolutamente importante que a liberdade de imprensa exista, assim como a liberdade para criticar, que é a razão pela qual as empresas de mídia devem expressar os mais diversos pontos de vista e opiniões.”

Seu filho, o ultra-liberal Álvaro, também escritor e ensaísta, respondeu que considera errado falar em concentração, por se tratar de uma associação de empresas, e que as regras do livre-mercado deveriam ser respeitadas, “ainda mais em tempos digitais”.

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A projeção da celeuma levou o presidente Ollanta Humala a se pronunciar, defendendo a visão do “La República” e de Vargas Llosa pai. Seus oposicionistas, porém, estão vendo no episódio a ocasião propícia que o presidente esperava para anunciar um projeto de lei regulatória para a imprensa. Humala nega que a ideia exista, mas congressistas de seu partido e de aliados do governo falam abertamente de um projeto a ser debatido e votado em breve.

Vargas Llosa pai também é questionado pelo filho por seu apoio a Humala. Historicamente, o Nobel era um crítico desse ex-militar nacionalista e radical de esquerda, mas, quando este chegou à disputa presidencial com a filha do ditador Alberto Fujimori (seu inimigo de outros tempos), Keiko, o escritor decidiu que apoiaria Humala incondicionalmente. Ainda hoje lhe dá suporte, mesmo com o presidente estando despencando nas tabelas em sua popularidade _segundo pesquisa divulgada em janeiro, a desaprovação a seu governo já chega a 73% da população. Álvaro Vargas Llosa considera um absurdo que o pai siga com esse apoio ao líder (ainda que ele próprio tenha participado da campanha), mesmo com sua gestão enfrentando acusações de corrupção gravíssimas e crescente inquietação popular nas ruas.

O fujimorismo, enquanto isso, assiste a tensão popular e ao embate intelectual de olho no enfraquecimento do governo visando as eleições regionais de outubro, no qual espera ter mais presença no Congresso e dinamitar os planos do governo. Doente, mas ainda influente na política, o ex-ditador Fujimori ainda assombra o país. Serão duros meses para Humala, o que pode aumentar sua tentação de intervir na mídia.