Retrato de mãe
Retrato de mãe
Rostos enrugados, olhares firmes e tristes, cabelos brancos, ares de
valentia. São assim as imagens que o fotógrafo argentino Marcos
Adandia, 46, fez das míticas Mães da Praça de Maio. Numa corrida
contra o tempo, o artista fez retratos das sobreviventes desse grupo
histórico de lutas pelos direitos humanos _muitas mães já passaram dos
90 anos, e grande parte delas já morreu.
A exposição está em cartaz no Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos
Aires, e reúne 60 fotos de grandes dimensões, espalhadas pelos salões
do segundo andar do edifício, e também ao ar livre, nas varandas que
dão para a avenida Libertador.
Agora que a Argentina comemora os 30 anos de sua redemocratização,
homenagens e reflexão sobre os anos de chumbo (1976-1983) tem sido
comuns em forma de mostras, lançamentos de livros, exposições.
Adandia começou seu trabalho há 13 anos, acompanhando as Mães em suas
campanhas e no dia-a-dia da Fundação. Algumas morreram durante o
processo, daí a importância das imagens e dos vídeo-depoimentos, que
são exibidos durante a mostra e que serão editados em DVD
posteriormente.
Muitas aparecem com e sem o famoso lenço branco amarrado à cabeça que
as identifica desde aquele tempo. “Eu as vejo, as reconheço. Sem pano,
o olhar triste. Sem panos, o olhar triste, solitárias. Com pano,
valentes, que força, aqui estou para voltar a ver meu filho, para
acaricia-lo, beija-lo e falar-lhe como quando era um menino e corria
ansioso e me abraçava”, disse Adandia em entrevista na abertura da
mostra.
As Mães começaram sua atividade nos anos 70, quando as desaparições de
opositores ao governo militar começaram. Essas mulheres procuravam os
meios de comunicação, iam à polícia e às autoridades procurando
informações sobre o paradeiro de seus filhos. Em geral, não eram
atendidas. Começaram a se reunir na Praça de Maio, com panos brancos
na cabeça e carregando as fotos de seus filhos. Era comum que algumas
delas tivessem mais de um filho desaparecido. Esses militantes tinham
um destino mais ou menos comum, os centros de detenção clandestina
operados pelos agentes da repressão e, no caso de muitos, os “voos da
morte”, quando eram levados para um sobrevoo do Rio da Prata e
atirados em suas águas. As estimativas do total de número de mortos
durante a ditadura argentina é de 20 a 30 mil pessoas.
Numa época em que as comunicações eram mais precárias, o grito das
mães na praça ganhou projeção internacional e ajudou para que outros
países cobrassem da Argentina o paradeiro dos jovens desaparecidos.
Sua luta se prolongou por décadas e deu origem a outros grupos, como
as Avós da Praça de Maio, dedicadas a buscar os filhos dos
desaparecidos, bebês que foram sequestrados durante o cativeiro dos
pais e entregues a famílias de oficiais. A luta das Avós permitiu o
retorno de mais de 100 netos, dos estimados 500 desaparecidos.
Hoje, a luta das Mães começa a se dissipar. Um pouco porque o tempo
passou e as esperanças de encontrar alguém com vida se reduziram. Por
outro, porque as Mães envelheceram, se debilitaram, e já não congregam
multidões nas suas passeatas. Houve, ainda, uma cisão interna e a
politização do grupo. Formaram-se dois grupos, um ligado à belicista
Hebe de Bonafini, que se associou aos Kirchner e passou a ser um
instrumento de campanha política, e outro, a chamada Línea Fundadora,
que permanece independente de partidos políticos. A linha de Hebe,
ainda, se desacreditou nos últimos anos por conta de um escândalo de
corrupção ligado a um programa de construção de moradias populares.
É triste ver o destino das Mães, cuja luta foi tão importante, mas que
vão apagando-se com o tempo. A exposição no Museu de Bellas Artes,
porém, recupera um pouco desses anos de enfrentamento, de medo e
esperança. E imortalizam a história de cada filho, cada filha, calados
para sempre de forma tão brutal.
Para quem passar por Buenos Aires no próximo mês, trata-se de um
passeio imperdível. A mostra fica até dia 23 de fevereiro em cartaz e
é gratuita.