Crônicas peregrinas
“O jornalismo é a versão ilustrada e lúdica da pobreza, e nós que viajamos como free-lances globais podemos desfrutar de seu cosmopolitismo, muito provavelmente o melhor caminho para a felicidade de ser um repórter.” A frase, carregada de um romantismo portenho, revela também um escritor com pouco apego a fronteiras nacionais e bandeiras. Trata-se de Leonardo Tarifeño, 46, nascido em Buenos Aires mas que já viveu em Barcelona, Budapeste e Rio de Janeiro. Seu livro de crônicas, “Extranjero Siempre – Crónicas Nomadas”, sai pelo selo mexicano Almadía, e reúne histórias que viveu e narrou na Cidade do México, no deserto, em Havana, no Rio de Janeiro, na África e em Buenos Aires.
O volume sai pelo mesmo selo que editou as “Histórias de México y del Más Allá”, de Gerardo Lammers, e se inscreve na onda de sucesso da crônica literária latino-americana, fenômeno que vive um “boom” nos últimos dez anos. Os textos de Tarifeño e Lammers saíram, originalmente, nas tantas revistas heróicas e deficitárias que hoje circulam em Lima, na Cidade do México, em Bogotá, etc.
Entre as experiências que relata está a de buscar Maradona entre as clínicas de desintoxicação cubanas, quando o maior astro do futebol argentino, amparado pelo ditador Fidel Castro, em 2000. O jornalista expõe e destrói a teoria de que em Cuba não há drogas. Enquanto o ídolo do futebol recuperava-se num lugar que mais parecia um clube de campo, a exclusiva clínica La Pradera, era possível conseguir, do lado de fora, pacotes para estrangeiros que constituíam em drogas, mulheres e charutos.
Duas histórias expõem a faceta humana de uma grande metrópole latino-americana. São elas “De Cadenero en el Rioma” e “Estación: Destino”. A primeira conta a experiência do cronista ao trabalhar por uma noite como segurança de um bar do D.F., com a difícil tarefa de ter de fazer a “triagem” dos que entravam de acordo com sua posição social e aparência. Eu seria o primeiro a ser barrado, conclui. A outra explora o caos do metrô da capital mexicana, usado por 4,5 milhões de pessoas e posicionado em terceiro lugar em tamanho no planeta, perdendo apenas para Moscou e Tóquio.
O cronista narra uma viagem em meio a vendedores ilegais, casais que se encontram fortuitamente, objetos que se perdem. Mete-se a investigar os suicídios no sistema, cerca de um por semana, e recolhe histórias de amor inusuais, como a do policial que se apaixonou por uma suicida a quem salvou.
Em “Favela Fashion”, investiga o mundo das escolas de moda que existem nas favelas do Rio e do funk, passeia pela Cidade de Deus pelas mãos de uma jovem estudante que, anos depois, descobre que morreu e teve o corpo carbonizado num dos embates entre gangues do local.
Há, ainda, uma viagem de avião do Mali ao México ao lado do músico Salif Keita, um encontro com o escritor colombiano Fernando Vallejo e uma incursão no mundo da prostituição no México, em que Tarifeño dá de cara com a história de uma verdadeira “belle de jour”, argentina imigrada ao D.F. que escondia do marido e dos filhos sua verdadeira identidade. Também, uma hilária crônica sobre como o autor ganhou uma ponta da super-produção “Evita”, super-produção de Alan Parker, filmada em Budapeste e não em Buenos Aires devido à resistência dos peronistas.
“Extranjero Siempre” inscreve-se na melhor tradição da crônica latino-americana contemporânea, que viaja sem restrições pelo mercado editorial de língua hispânica e promove e participa de festivais e encontros periódicos. O Brasil segue assistindo isso pelo lado de fora.