A saga dos latinos nos EUA
Quando se pensa na imigração de latino-americanos para os EUA, em
geral, imagina-se que o fenômeno começou ali pela metade do século 20
e se potencializou com o fluxo de descontentes e perseguidos pela
Revolução Cubana (1959), as ditaduras no Cone Sul e o acirramento da
guerra contra o narcotráfico na Colômbia e no México.
O que o documentário “Latino-americans”, transformado agora também em
livro, mostra é que o movimento começou muito antes. E que a presença
hispânica no país mais poderoso do planeta remonta ao século 16.
Ainda, como remarca uma historiadora ouvida no programa, demonstra-se
que o espanhol na verdade foi a primeira língua europeia a ser falada
no território que hoje corresponde aos EUA, devido ao fluxo de
missionários espanhóis que subiam desde os territórios coloniais do
sul, antes mesmo da chegada dos ingleses para colonizar o norte do
país.
“Latino-americans” foi exibido em três partes pela PBS, um total de
seis horas de documentário, que mistura relatos e entrevistas atuais a
imagens de acervos familiares, imprensa de época e fotografias. A
produção é de Adriana Bosch, cubana que emigrou aos EUA nos anos 70 e
foi vencedora de um Emmy.
Hoje, os chamados “latinos” nos EUA, principalmente de origem
hispânica, somam uma população de 50 milhões de pessoas. Projeções
indicam que, no meio do século 21, esse número deve chegar a 127
milhões, ou seja, 30% da população total do país. Enquanto isso, a
população essencialmente branca deve cair de 67% para 47%.
O especial aborda a vida cultural, intelectual, as guerras e a
política atual, trazendo uma original perspectiva: contar a história
dos EUA a partir da trajetória de mexicanos, dominicanos, colombianos
e cubanos, principalmente, que ajudaram a construir o país.
O capítulo sobre as guerras traz desde os oficiais
mexicanos-americanos que lutaram contra os mexicanos durante as
disputas territoriais entre os dois países, até heróis da Segunda
Guerra Mundial, como Manuel Gonzales, americano de origem mexicana que
morreu no ataque a Pearl Harbour, ou o marine Guy Gabaldon (de mesma
origem) que, sozinho, capturou mais de 1.500 soldados japoneses.
A seção dedicada às artes aborda desde a trajetória do revolucionário
cubano José Marti, que imigrou no fim do século 19 e ajudou a formular
a ideologia anti-yanqui das ilhas, até fenômenos como Rita Moreno. A
atriz, que sempre fez papéis secundários interpretando indígenas,
terminou por ganhar o Oscar em 1962, por seu papel em “West Side
Story”. Entre os contemporâneos estão citados Ricky Martin, Jennifer
Lopez e muitos outros.
Do ponto de vista político, o documentário remonta à época em que os
mexicanos eram poderosos latifundiários na Califórnia, durante a
Colônia, e atravessa os séculos mostrando como essa posição mudou e,
no século 20, havia em mais de um estabelecimento nos EUA a placa que
dizia: proibida a entrada de cachorros e de mexicanos. Uma das
histórias é a de Macario Garcia, que em 1943 foi o primeiro mexicano a
receber uma medalha de honra, mas que na mesma noite teve a entrada
recusada em um diner do Texas.
A questão do idioma recebe atenção especial, mostrando as
transformações do espanhol falado nos EUA e o impacto do encontro no
inglês. Para muitos especialistas, já se pode considerar os EUA como
um país bilíngue e, em algumas regiões, tendo o espanhol já vencido o
inglês.
Os altos e baixos na imigração são mostrados de acordo com o
crescimento econômico do país. Em épocas em que a economia é
fervilhante e precisa de mão-de-obra, como nos anos 1920, os
imigrantes, principalmente mexicanos, são benvindos. Em outras, mais
duras, são deportados, como nesse momento, em que o governo Obama já é
o recordista em mandar mexicanos e dominicanos de volta para casa.
Ainda inédito no Brasil, mas disponível na íntegra on-line pelo site
da PBS (www.pbs.org/latino-americans/en), o documentário mostra como
os EUA hoje são um país cada vez mais marcado pela experiência do
intercâmbio com suas imensas minorias. E, se um dia sua política
externa foi marcada pela ideia de intervenção e liderança com relação
a outros países do continente, hoje a situação se reverte e o voto
latino passa a ser preponderante tanto para eleições internas como
para decisões além-território.