Até logo, Buenos Aires
Cheguei à Buenos Aires às vésperas da eleição de 2011. Cristina Kirchner despontava como favorita. Não havia oposição. Os meios de comunicação estavam encurralados. As relações comerciais com o Brasil, cambaleantes. A polarização entre kirchneristas e não-kirchneristas era raivosa. A maior estrela televisiva era Marcelo Tinelli. Maradona ainda frequentava noticiários com escândalos e frases polêmicas. Elisa Carrió era a voz estridente (talvez até demais) apontando os descaminhos do país. Guillermo Moreno era a versão folclórica da brutalidade kirchnerista.
Dois anos depois, é duro admitir que nada desse panorama mudou. O kirchnerismo, apesar de uma queda de popularidade significativa da presidente –dos 54% em 2011 dos votos para 33% de aprovação de seu mandato hoje—deve sair vitorioso nas eleições legislativas. Só para se ter uma ideia, os nomes que mais têm se destacado no período pré-eleitoral, se não são governistas, são de pessoas muito ligadas até recentemente ao governo, como o prefeito de Tigre, Sergio Massa –anotem, com grandes chances de ser o futuro presidente da Argentina. Massa tem hoje duas opções. Uma é opor-se frontalmente a Cristina, e com isso afundará, é o que vem acontecendo com poucas semanas de uma campanha que é muito mais eficiente do lado do governo. A outra é ficar meio em cima do muro, meio apoiando, meio fazendo críticas pontuais, como faz o governador Scioli, e estacionar nessa posição de oposicionista-pero-no-mucho. Assim, pode ser que tenha algum futuro.
A inflação continua comendo o salário dos argentinos, o isolamento ao investimento estrangeiro limita o acesso do país aos dólares, enquanto o governo asfixia o poder de compra da moeda norte-americana por parte da população. Foi comum em minhas saídas do país, para visitar amigos e família em São Paulo ou cobrir eventos em outros países, que amigos argentinos me fizessem encomendas, de produtos importados dos mais variados, de xampus a remédios e até a fio dental. É triste um dos países mais cosmopolitas do continente em alguns aspectos parecer a Cuba comunista.
Tudo isso dito, e posso afirmar que os dois anos aqui foram dos melhores de minha vida. Buenos Aires é uma cidade sem igual. Cosmopolita, viva, boêmia, tranquila. Acordar e ir aos cafés ler os jornais. Esses cafés de Buenos Aires que certamente darão sobrevida ao papel-jornal quando este estiver sucumbindo em todo o mundo. Nos cafés portenhos, se lê, se disputa, se deixa o jornal lido para que passe adiante.
Apesar do aumento da criminalidade causado pela degradação econômica, ainda é seguro caminhar por suas ruas, pelo menos em comparação com São Paulo ou Rio. E é um prazer inenarrável ir ver uma sessão de cinema à 1h da manhã e voltar caminhando pra casa. Sua arquitetura, em perigo por conta da expansão imobiliária, é para ser admirada a qualquer hora do dia. É uma pena que os turistas brasileiros que aqui vêm não saiam de um circuito limitadíssimo de ruas na Recoleta e em Santelmo e não se atrevem a aventurar-se por bairros como Colegiales, Villa Crespo, Barracas.
Buenos Aires continua sendo bela, boêmia e elegante. Mas tem perdido espaço para cidades latino-americanas que antes eram derrotadas de lavada por seu charme. Nesses dois anos, tive a sorte de visitar Bogotá, Cidade do México, Santiago, que vêm se destacando como capitais modernas que mantêm a tradição cultural latino-americana. Montevidéu é, e continuará sendo, um cantinho especial, que tive o prazer de revisitar algumas vezes quando estava por aqui.
Já estive vivendo aqui antes, e certamente ainda passarei muito de minha vida por essas ruas tão queridas. Mi Buenos Aires querida, é dificílimo dizer-te adeus. Assim que… até logo!