Malvinas, papa e futebol

Sylvia Colombo

Antes de mais nada, esclareço. Adoro futebol. Corintiana desde criança. Admiradora histórica do Real Madrid. Fã do Sócrates, do Zico e do Ronaldo. Quando estou em Sampa, adoro ir ao Pacaembu. Além dos estádios da cidade, já vi jogos no Santiago Bernabeu, em Madri, no Maracanã, em Wembley, na Inglaterra, no estádio da Luz, em Portugal, e outros tantos no Monumental de Nuñez e na Bombonera, aqui em Buenos Aires.

Mas, tenho de confessar, na última semana, o futebol, ou melhor, a futebolização das coisas, me cansou um pouco. Primeiro, durante minha estada nas ilhas Malvinas, das quais sou cada vez mais fã, mas que se encontravam em clima de “Fla-Flu” total. Os “kelpers”, eufóricos de nacionalismo, exibiam suas bandeiras britânicas e coloriam-se de azul e vermelho. Apesar de todos saberem que o referendo pelo qual decidiram continuar fazendo parte do Reino Unido foi um passo político na direção de sua independência, a festa se travestia de uma rivalidade meio primitiva e de tom essencialmente futeboleiro. Havia um inimigo claro, a Argentina, suas cores nacionais, o celeste e branco, e, como parte importante desse quadro, seus incríveis jogadores internacionais e títulos mundiais.

E, de repente, chegou o papa argentino. Semanas atrás, eu havia escrito um post para este blog falando da possibilidade de um papa vindo das pampas. Foi uma gozação geral de amigos brasileiros. Já com o tom que depois preponderou: “Como pode, eles têm Maradona, Messi e agora, o papa?”. Como se tais coisas fossem comparáveis. E foi então que a fumaça branca confirmou tal “ironia”. Foi realmente uma pena não estar em Buenos Aires num dos dias mais importantes da história recente da cidade. Mas, por outro lado, foi um alívio estar isolada numa ilha do Atlântico enquanto acompanhava, via mídia e redes sociais, principalmente, brasileiros e argentinos se insultando _sim, porque essas brincadeiras são insultos_ mutuamente. Mais do que nunca, detrás da provocação: “mas quem é melhor, Pelé ou Maradona?”, o que se esconde é um profundo desconhecimento de um país em relação a outro. E um desinteresse proporcional. Passaram alguns dias _certamente terá sido para poucos interessados_ até que o fenômeno Bergoglio passou a ser melhor entendido, contextualizado, e a fazer algum sentido.

No meio desse turbilhão de informações “contra” e “a favor”, “Messi” ou “Pelé”, “Bergoglio” ou “Scherer”, “Inglaterra” ou “Argentina”, esse excesso de dualismos pouco esclarecedores, um artigo veio para colocar mais lenha na fogueira, foi o do britânico-espanhol John Carlin, “El fútbol versus la estupidez”, em que elogia a atuação de Messi contra o Milan, para criticar de forma duríssima o governo argentino em sua posição com relação às Malvinas. O texto é colorido, divertido, provocativo, ao estilo de Carlin, grande jornalista que é. Meus colegas argentinos, porém, o interpretaram do jeito mais literal possível, e a flama da discórdia, outra vez com o futebol como cobertura, se acendeu nos meios portenhos.

O futebol certamente está entre as cinco coisas mais importantes do mundo. Nos alegra, nos entristece e, para muita gente, dá sentido à vida. Tenho amizades em que, se o assunto principal não for o futebol, talvez não façam sentido. Mas, daí a achar que se pode ler tudo o que acontece com essa lente, vai um grande passo. Me parece que Carlin foi infeliz ao apoiar-se nesse recurso para seu artigo de balanço de sua cobertura nas Malvinas.

No caso do Brasil e o papa, a referência ao futebol interpreto como ignorância e certo preconceito. Os brasileiros quase nada sabem desse fascinante e complexo país que têm como vizinho. E parecem continuar não querendo entendê-lo. Poucos se interessarão em saber de onde e como daqui saiu Bergoglio, assim como os Kirchner, Menem, sua arte e sua cultura. A pergunta do milhão, mesmo, é se Messi será melhor do que Pelé.

Que venha a Copa do Mundo!!

 

 

Comentários

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