Memórias de um ano no sul

Sylvia Colombo

Em São Paulo por uns dias para recarregar as baterias, vejo que um ano e meio em Buenos Aires está me transformando numa pessoa mais nostálgica, como os portenhos… Aqui estou eu fazendo balanços de viagens, shows, novas amizades e aprendizado. Segue abaixo uma seleção muito particular dos meus 10 melhores momentos como correspondente desta Folha, em 2012.

1. Malvinas e Antártida

Para uma correspondente friorenta, nada como começar o ano com duas viagens ao Sul do hemisfério, fugindo do abafado verão portenho e enfrentando as temperaturas de 8 e -5c, de Port Stanley, capital das Ilhas Malvinas, e da base Eduardo Frei, na Antártida. No disputado arquipélago estive em fevereiro, para contar como é a vida dos “kelpers”, 30 anos depois da terrível guerra entre Argentina e Inglaterra. Na foto, estou no Mount Longdon, onde se travou uma das principais batalhas da retomada de Stanley pelos ingleses. As Malvinas são um lugar plácido, tranquilo, de vida muito provinciana e familiar. Não há cinema, não há livrarias, e é preciso se acostumar com outro ritmo e estilo de vida. Tive anfitriões especiais, como Alex Olmedo, dono do Waterfront Hotel, um chileno que está há mais de 20 anos nas ilhas, e que se divertiu com minhas desesperadas tentativas de me aproximar do príncipe William, que estava realizando exercícios militares por ali. Também Helena Shillitoe, uma mineira de Três Corações que se acostumou com as ventanias incessantes de Stanley e hoje tem dois filhos “kelpers”. Já na Antártida, o ambiente foi mais tenso. Ali estive para reportar sobre o incêndio que destruiu a base brasileira. Cheia de percalços, acabamos ficando pouco tempo no continente gelado, e mais alguns dias na simpática Punta Arenas, diante do estreito de Magalhães. Fica dessa viagem a lembrança do tocante relato dos sobreviventes, e a cerimônia de despedida dos corpos dos militares brasileiros, na pista do aeroporto da base Eduardo Frei. Na foto, do amigo Carlos da Fonseca, está o bravo e amável embaixador brasileiro no Chile, Frederico Cezar de Araújo. Na viagem, tive a alegre companhia dos colegas Alan Severiano e Marcelo Benincassa, da Rede Globo. Marcelo também fica na minha lembrança como o intrépido câmara que, na falta de novos voos para voltar a Antártida, queria ir até lá remando…

2. Maconha no Uruguai

O Uruguai do presidente Mujica vem se destacando no Cone Sul como um país de ideias arejadas, sem líderes de vocação populista e quase nada de escândalos de corrupção ou graves problemas sociais. O país de 3,3 milhões de habitantes é constantemente usado como referência na Argentina para expor o mau exemplo dos kirchneristas. Vivendo em Puerto Madero e economizando com os dólares que o argentino comum não pode comprar, a cúpula kirchnerista não podia estar mais distante do estilo de Mujica. O presidente uruguaio doa parte de seu salário, viaja de Fusca e rejeita o palácio presidencial para viver no seu ranchinho de sempre, com a mulher, também ex-guerrilheira tupamara e a cadelinha de estimação. No segundo semestre, surpreendeu a todos com seu projeto de estatizar a produção e a distribuição de maconha. Estive lá em outubro para uma reportagem. Além de ser sempre agradável andar pelas ruas da melancólica e praiana Montevidéu, entrevistei alguns pacíficos usuários da droga e solícitos  sociólogos e historiadores, que me explicaram o fenômeno de um país laico e pouco moralista em meio à pesada colonização católica espanhola. Sem a ajuda da amigona Denise Mota, jornalista brasileira radicada perto de uma das ramblas da cidade, os dias ali não seriam tão interessantes.

3. Visitas ao México

Ir ao México é sempre uma alegria. E neste ano tive a oportunidade de fazê-lo duas vezes. Em julho, cobri as eleições que marcaram a volta do PRI ao poder, depois de 12 anos de governo conservador. Pude observar a explosão do movimento jovem #YoSoy132 e as intensas marchas que se faziam quase que diariamente na Cidade do México contra o candidato Enrique Peña Nieto. Em novembro, voltei, para a tradicional Feria del Libro de Guadalajara, onde pude ouvir de perto Jonathan Franzen, Jon Lee Anderson, Juan Villoro, Elena Poniatowska e outros. Segunda economia latino-americana, o México se mostra hoje como um país cosmopolita, cuja economia aliou-se aos EUA mas que segue com profundos laços com seu passado ancestral e seu interesse intenso pelo que passa na região. A literatura e o cinema seguem numa produção alucinante, e “Miss Bala” está entre meus preferidos do ano. Na terra asteca, as ideias não param de circular. Ficam dessas passagens o carinho de Adriana Zehbrauskas, no D.F., e Myriam Vidriales, em Guadalajara, além do novo amigo, Geraldo Lammers, autor do divertido: “Histórias de México y del Más Allá”, essencial para entender o México além do narcotráfico de nossos dias. Especial menção a Leonardo Tarifeño, com quem tive o prazer de me perder nas ruas de Guadalajara.

4. Manifestações em Buenos Aires

Não foi um ano fácil para Cristina Kirchner, e quem acompanhou esse blog sabe como sua popularidade está despencando. Nas ruas de Buenos Aires, os que não a apoiam perderam o medo e saíram a protestar contra a corrupção, a impunidade, a re-reeleição e a perseguição à imprensa. A noite mais destacada do ano nesse quesito foi a do 8N, que chamou a atenção por ter sido um protesto pacífico, sem agressividade com relação aos políticos e um programa quase familiar. Sim, a maioria era de classe média, setor que mais se opõe a esse governo, mas não deixa de ser legítimo por isso. Nessa noite, a avenida 9 de Julio foi celeste e branca. Fazia calor e soprava uma brisa tipo praia. Foi muito bacana estar lá e sentir, mais uma vez, com certa ponta de inveja, como o argentino médio é mais politizado que o brasileiro. A bonita foto é do “helicóptero” Uki Goñi.

5. Shows de brazucas em Buenos Aires

É verdade que, quando estamos longe de casa, qualquer cheiro de pão de queijo ou notas de bossa nova te emocionam mais do que se estivéssemos no Brasil. De fato, ver Gilberto Gil e Caetano Veloso longe dos palcos tupiniquins tem um sabor especial. Os baianos se mostraram solenes e respeitosos do público sóbrio do Gran Rex. Ambos deram concertos delicados e refinados. Caetano veio com o filho, Moreno, num show cheio de loas familiares, alguns hits, mas muita coerência na amarração do repertório. Já Gil veio com uma mini-orquestra de cordas e contou histórias da época da ditadura. Suas interpretações de “Domingo no Parque” e “Panis et Circenses” foram os pontos altos. Aqui, Caetano cantando “Leãozinho”, em imagens de um fã.

6. Shows internacionais

Buenos Aires não tem tantos espaços para shows como São Paulo, mas algumas das melhores arenas estão ali, como o Luna Park, antigo palco de lutas de boxe, e o Gran Rex, para espetáculos mais solenes, mas onde já pude ver os britânicos do Muse quase colocarem o lugar abaixo. Os dois shows internacionais que mais gostei de ver aqui neste ano foram, sem dúvida, o do Morrissey e o do Pulp. Morrissey foi prejudicado pelo som horrível do G.E.B.A., espaço que é interrompido, nada menos, do que por uma linha de trem que cruza por ali, fazendo ruído e atrapalhando o artista. Uma semana depois vi o mesmo show em São Paulo e achei Morrissey mais à vontade, no Espaço das Américas, na Barra Funda. Mas meu coração fica mesmo com Jarvis Cocker e uma das bandas da qual mais gosto e acompanho desde os anos 90. O vocalista tentou entrar no clima, falando espanhol e citando “Che, Boludo”, um guia de fala coloquial portenha. Aqui, pode-se vê-lo interpretando a canção mais famosa da banda, “Common People”, para os argentinos, também em imagens de um fã.

7. Cinema argentino

Sou fã do cinema argentino há muitos anos, e admiro muito o talento de seus roteiristas. Hoje, vejo que a produção é bem mais variada do que a dos anos 90/00, que se concentrava demais nos dramas da classe média. Agora há histórias da ditadura, mas também sobre favelas, música, inspiradas em clássicos da literatura e outras. A produção é intensa, ainda que é preciso fazer a ressalva de que há muitos problemas na distribuição seletiva das verbas do INCAA e privilégios para amigos do governo. A mesma escola que produz os bons filmes de Pablo Trapero (“Elefante Blanco”), Benjamin Ávila (“Infância Clandestina”) e Armando Bo (“El Último Elvis”), também trouxe à tona bobagens panfletárias como “Juan y Eva”, história de amor entre Perón e Evita, e “Néstor, la Película”, laudatória biografia do presidente morto. Ainda assim, vê-se um cinema mais vibrante e com uma melhor qualidade de texto e atuação que o brasileiro. Todavia, hay mucho que aprender con los hermanos.

8. Buenos Aires x São Paulo

Os amigos me perguntam se prefiro uma ou outra, o que tem de bom aqui que não tem lá, do que eu sinto falta, etc. Morar em outro país é dividir-se, e enquanto eu ficar por lá sempre estarei com saudades de um pão na chapa de alguma padaria paulistana, enquanto, se eu voltar pra cá, “extrañaré” demais passar as tardes escrevendo nos cafés. Em Buenos Aires são melhores: a qualidade de vida, o trânsito, a relação com a cidade (pode-se viver sem carro), os doces, as livrarias, as confiterias, os ambientes dos restaurantes e espaços para pequenos shows. Já em São Paulo, são melhores os serviços em geral (e mil vezes), a variedade cultural, a gastronomia, o estado das salas de cinema, as casas noturnas e o acesso ao mundo. Buenos Aires é mais linda, São Paulo, mais cosmopolita. Buenos Aires tem mais charme, São Paulo funciona. Buenos Aires tem melhores parques, São Paulo, melhores shoppings. O certo é que são dois mundos, e nem parecem ser o centro da vida de dois países vizinhos. Uma bela e barata ponte-aérea entre as duas cidades levaria bons exemplos e experiências de uma para outra. Por que não?
 

Comentários

  1. I was wondering if you ever considered changing the layout of your blog? Its very well written; I love what youve got to say. But maybe you could a little more in the way of content so people could connect with it better. Youve got an awful lot of text for only having one or two images. Maybe you could space it out better?

  2. Congratulations on having one of the most sophisticated blogs Ive come across in some time! Its just incredible how much you can take away from something simply because of how visually beautiful it is. Youve put together a great blog space –great graphics, videos, layout. This is definitely a must-see blog!

  3. 61 diamonds (0,48 carat) intent on the white motherofpearl dial, which ??????? ?? Memórias de um ano no sul | Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo – Blogs puts in the exquisite La D De Dior Spirale 38 MM watch a pure candy. The stainless-steel watch includes pearlgrey alligator bracelet additionally, the bezel set with 72 diamonds (0,65 carat). 113 diamonds (1,13 carats) drape you in radiance. Besides its shiny style, it is also functional. Manufactured in Swiss, this quartz movement watch is watertight to 30 meters. With Two year international guarantee, don’t need to worry about its repair and maintenance.

  4. Ray Ban Aviators are Memórias de um ano no sul | Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo – Blogs renowned for their frames, which can be made with carbon fibre. Strong yet lightweight and versatile, frames made with these components are generally durable and cozy make use of. Some other type of typical materials as used by Ray Ban are MemoRay as well as titanium, which are usually fashioned for being corrosionresistant, nickelfree, hypoallergenic, ??????? 574 and damageproof in different forms of environment.

  5. RayBan sunglasses are ??? ?? manufactured for both both males and females. To produce while driving, playing sports or possibly as the ornament. These come in various models gentlemen, and even kids. RayBan sunglasses are relatively inexpensively as opposed to other big brands like Oakley, Gucci, Chanel and Prada. They are really very Memórias de um ano no sul | Sylvia Colombo – Folha de S.Paulo – Blogs conveniently easily obtainable in any shop or in cyberspace. You can also get a better discount nevertheless about the group of RayBan sunglasses on-line shops globally.

  6. I hope you never stop! This is one of the best blogs Ive ever read. Youve got some mad skill here, man. I just hope that you dont lose your style because youre definitely one of the coolest bloggers out there. Please keep it up because the internet needs someone like you spreading the word.

  7. Anna Sui has long been a fan of Guru bags, so she didn’t hesitate in any respect about working with the brand to create a few limited format duffels.

  8. Many thanks for creating the effort to talk about this, I feel strongly about this and love learning a great deal more on this subject. If feasible, as you gain knowledge, would you mind updating your weblog with a great deal more information? It’s really helpful for me.

  9. Hello – I must say, I’m impressed with your site. I had no trouble navigating through all the tabs and information was very easy to access. I found what I wanted in no time at all. Pretty awesome. Would appreciate it if you add forums or something, it would be a perfect way for your clients to interact. Great job

  10. Thanks for sharing excellent informations. Your web site is very cool. I am impressed by the details that you’ve on this web site. It reveals how nicely you understand this subject. Bookmarked this website page, will come back for more articles. You, my friend, ROCK! I found just the info I already searched all over the place and just couldn’t come across. What a great site.
    ????? ?? http://www.mimitto.net/

  11. My spouse and i site normally and that i severely appreciation for your posts. This info has definitely actually peaked my personal desire. I’m going to take a note of your web site whilst keeping reviewing achievable info on once weekly. I personally decided upon ones Rss in addition.

Comments are closed.