Infância roubada

Sylvia Colombo

O filme que representará a Argentina no próximo Oscar está em cartaz em Buenos Aires e levando o público às palmas ao fim das sessões. Trata-se de “Infância Clandestina”, mais uma produção que enfoca o período da ditadura militar (1976-1983), mas que aborda o tema com muita sensibilidade e um olhar original.

Juan (Teo Gutierrez Moreno) é filho de pais montoneros e, por conta da atuação política dos pais, teve de viver exilado no Brasil e no México. Em 1979, em plenos anos de chumbo, a família decide voltar à Argentina. Os pais integram o delirante projeto da “contra-ofensiva”, através do qual os guerrilheiros planejavam derrubar o regime militar. A empreitada terminou num rotundo fracasso.

Ao chegarem, Juan, além de estranhar o frio argentino, precisa mudar de nome e passa a chamar-se Ernesto, em homenagem a Ernesto “Che” Guevara. Os três passam a viver numa pequena casa disfarçada de depósito de doces. A ideia é não chamar a atenção para o que realmente se passava dentro daquelas quatro paredes: reuniões de militantes que planejavam ações de guerrilha.

O garoto passa a observar tudo, as pessoas entrando com os olhos vendados em casa, a tensão entre o pai e a mãe, a força com que acreditavam em sua ideologia. No tio, Beto (Ernesto Alterio), Juan tem um amigo e uma janela para o mundo das emoções, tão reprimidas por seus pais. Tio Beto quer que ele tenha festas, que dance, que namore e que aproveite a vida o máximo possível.

Aos poucos, Juan vai se dando conta de que os pais estão numa espécie de transe e começa a ponderar sobre o quanto vale à pena sua luta. Nesse meio tempo, convive, no colégio, com a ideia de viver sob uma falsa identidade, e apaixona-se por uma colega que o faz sentir vontade de enfrentar os pais.

O filme é muito doce e as cenas em que a violência têm lugar são representadas por meio de desenhos. A trilha sonora, com tangos e canções de protesto da época, é muito bem elaborada e dá vigor à narrativa.

As cenas cruciais para o processo de amadurecimento de Juan são marcadas pela política. A visita da avó, que tenta alertar os pais do perigo em que estão colocando a família e tentando convence-los a deixar o país novamente, a festa de aniversário que ele é obrigado a fazer numa data diferente, uma vez que fazia parte do seu disfarce. Ou, ainda, o momento em que se recusa a hastear a bandeira na escola por se tratar da mesma que usavam os militares.

Pessoalmente, gostei mais do filme que ficou em segundo lugar na votação da Academia de Cinema e Artes da Argentina, “El Último Elvis”, que já comentei nesse espaço. Mas “Infância Clandestina” não fica muito atrás, trazendo ótimas interpretações e um roteiro cheio de significados para o presente político do país. Num momento em que o governo kirchnerista tem feito elogios à atuação dos montoneros, o filme apresenta a dose certa de crítica ao movimento, sem desmerecer a luta do grupo. Talvez essas sutilezas fiquem cifradas para o público brasileiro, mas ainda assim o filme não perde a força.

Uma co-produção com o Brasil, o filme tem como realizador Luis Puenzo (“A História Oficial”) e direção de Benjamin Ávila, também ele filho de uma montonera desaparecida durante a ditadura. Com “Infância Clandestina”, a Argentina tentará sensibilizar a Academia de Hollywood mais uma vez com uma história que tem a ditadura como personagem. Também mais uma vez, a apresentará com um olhar criativo e sensível. Suas chances não serão pequenas.

Comentários

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